“Os governos tratam a etapa atual da pandemia com pseudo normalidade e até banalizam a morte”.
A afirmação é da médica infectologista Juliana Salles, convidada do Sinteps na live realizada em 25/8/2020, com a mediação da presidente da entidade, Silvia Elena de Lima. Juliana, que também é dirigente do Sindicato dos Médicos do Estado de São Paulo, iniciou sua apresentação lembrando que o quadro atual segue muito preocupante, com cerca de 3,8 milhões de casos e quase 118 mil óbitos em todo o país. “Para quem tem um familiar ou amigo que se perdeu na pandemia, nada é normal.”
Na abertura da atividade, que foi transmitida pelo Face e Youtube do Sindicato, Silvia lembrou que o quadro é igualmente grave no estado de SP, com quase 800 mil casos e perto de 30 mil mortos. “A reclassificação da maior parte do estado na cor amarela, sem que o ritmo do contágio e dos óbitos tenha regredido, nos faz crer que os interesses econômicos estão se sobrepondo à preservação de vidas”, sinalizou.
“A discussão sobre a retomada do ano letivo no país não ocorrenum momento de recuo da pandemia e ainda apresenta um agravante, que é a desmobilização de recursos de saúde e o desmonte de alguns hospitais de campanha”, concordou a médica infectologista. Para ela, a volta às aulas presenciais neste momento traria um “caos à saúde pública” Ela centrou sua exposição em dados bastante impactantes, que apontam enormes riscos à volta precipitada nas escolas.
De acordo com estudo realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o retorno às aulas no Brasil pode significar um perigo a mais para um enorme contingente de pessoas do grupo de risco (idosos ou adultos com problemas crônicos de saúde) que residem em casas com crianças e jovens em idade escolar (entre 3 e 17 anos). O levantamento, feito a partir de cruzamento de dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que 9,3 milhões de pessoas do grupo de risco residem junto com estudantes. “O problema evidente é que, se forem contaminados, essas crianças e jovens poderão levar o vírus para dentro de casa e infectar seus parentes.”
O estudo da Fiocruz pondera que, mesmo que escolas, colégios e universidades adotem as medidas de segurança, e elas sejam cumpridas à risca, o transporte público e a falta de controle sobre o comportamento de adolescentes e crianças que andam sozinhos fora de casa representam potenciais situações de contaminação por Covid-19 para esses estudantes.
Ainda citando o trabalho feito pela Fiocruz, a médica fez uma estimativa: se apenas 10% dessa população de adultos com fatores de risco e idosos que vivem com estes estudantes vierem a precisar de cuidados intensivos, isso representará cerca de 900 mil pessoas na fila das UTIs. “Se aplicarmos a taxa de letalidade brasileira neste cenário, teríamos algo como 35 mil novos óbitos como consequência deste retorno”, previu
A palestrante ressaltou outro dado relevante, presente em um Inquérito Sorológico realizado pela Secretaria Municipal da Saúde da cidade de São Paulo, feito com seis mil crianças entre 4 e 14 anos da rede municipal. O mapeamento apontou um índice de contaminação pelo vírus de 16,1%. Entre os alunos testados, 25,9% convivem em domicílios com a presença de pessoas com 60 anos ou mais. A pesquisa, que ainda contará com novas fases e será estendida às redes estadual e privada,mostrou que 64,4% dos alunos que testaram positivo eram assintomáticos!
Retorno exige requisitos claros
Para a infectologista Juliana Salles, o retorno seguro das escolas às atividades presenciais exige três pontos basilares:
1) O retorno só deve ocorrer num cenário de controle da pandemia, com uma curva regular e sistemática de decréscimo do número de casos e de óbitos, o que não se apresenta no momento. “A redução tem que ser sustentada”, defendeu a médica.
2) A infraestrutura das escolas precisa ser preparada antes de qualquer retorno: salas ventiladas, água potável, equipes para a sanitização frequente dos ambientes, existência de insumos e equipamentos (álcool gel, pias para lavagem regular das mãos, produtos de limpeza adequados etc.). “A volta também exige preparação organizada, ou seja, interlocução da educação com a saúde, para que os postos estejam prontos para atender os trabalhadores e estudantes que venham a se infectar”, disse Juliana.
3) Amplo sistema de testagem, rotineiro e sistemático, entre membros da comunidade escolar (trabalhadores e estudantes).
Intervindo no debate neste ponto, a presidente do Sinteps procurou inserir as unidades do Centro Paula Souza neste cenário: “É evidente a fragilidade da estrutura física e de pessoal de boa parte das nossas unidades escolares, o que tende a se agravar pela ausência de recursos necessários à aquisição de materiais básicos de prevenção sanitária. Isso nos causa ainda mais preocupação.”
Perguntas e íntegra da live
Ao final da live, a médica Juliana Salles respondeu às perguntas enviadas por professores e servidores administrativos do Centro. Clique aqui para ver as respostas e a íntegra da live.
Sinteps mobiliza e cobra reunião
Em sua última reunião, realizada em 17/8, o Conselho Diretor (CD) do Sinteps aprovou um manifesto, reforçando a posição da entidade contrária ao retorno das atividades presenciais sem garantias sanitárias. O CD também aprovou indicar aos trabalhadores que façam uma campanha junto aos vereadores de sua cidade, solicitando a eles que assinem uma moção de apoio à nossa reivindicação de retorno apenas quando houver segurança sanitária para todos. Clique aqui para acessar o modelo de moção; ao consegui-la, envie cópia para o Sindicato (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.).
A Direção Executiva do Sinteps está cobrando o agendamento urgente de nova reunião com a Superintendência do Centro, para discutir o retorno e, também, outras questões de interesse da categoria, como o bônus, a evolução funcional etc.