“O Brasil é o país com o maior número de mortes por Covid entre médicos, pessoal de enfermagem e jornalistas. Se as contas e estudos se estenderem a outras categorias de trabalhadores, provavelmente figuraremos como um dos países nos quais todas as categorias estão sendo penalizadas.”
A afirmação é da médica Maria Maeno, uma das expositoras convidadas pelo Sinteps para a live “Essencial é a vida. Quando o trabalho é fonte de contaminação, quem protege o trabalhador?”, realizada em 8/4/2021 (clique aqui para assistir a gravação).
Mestre e doutora pela Faculdade de Saúde Pública da USP e pesquisadora da Fundacentro, Maeno trouxe dados impactantes sobre a pandemia, que corroboram a postura do Sinteps, contrária ao retorno presencial sem que a pandemia esteja sob controle.
Em sua apresentação, ela lembrou que, quando a pandemia começou, há pouco mais de um ano, tínhamos esperança de que poderíamos controlar a disseminação do vírus, mesmo sabendo que enfrentaríamos dois problemas enormes: o governo federal e a grande desigualdade social e econômica da população, que já vinha se aprofundando. “Os fatos demonstraram que conseguimos fazer quase tudo errado, até chegarmos a esta calamidade pública, de cerca de 4.000 mortos de Covid por dia, sem contabilizar as mortes por outras doenças, decorrentes muitas delas da falta de atendimento e de cuidados pelo sistema de saúde colapsado”, lamentou a médica. “O fato é que nunca as gerações vivas viram tamanho morticínio como esse.”
Resgatando os primeiros meses da pandemia, no início de 2020, ela comentou que, naquele período, não havia ainda a perspectiva da vacina, mas o conhecimento do vírus e seu comportamento mais as experiências de outros países nos ensinaram que várias medidas podem ser tomadas mesmo sem a vacina, entre elas:
- Controle de viagens internacionais, que nunca fizemos; tampouco de circulação em rodovias nacionais, o que fez com que o vírus se espalhasse rapidamente pelo país todo.
- Colaboração entre os setores público e privado, que tampouco vimos, pois não há comando nacional, coordenado pelo governo federal, que deveria: a) ter se articulado com as empresas para redirecionar a produção industrial para equipamentos, máscaras, medicamentos necessários, como relaxantes musculares e sedativos, b) ter pactuado para bloquear demissões de trabalhadores; c) ter auxiliado os pequenos empreendimentos.
- Campanhas de informação pública, que dependeriam também de mensagens fortes, de orientação correta, baseada na ciência; ao contrário vimos a maior autoridade política do país minimizando a pandemia e distribuindo fake news, como o uso de medicamento ineficazes e perigosos à saúde.
- Integração com mídias de massa, para transmitir orientações a toda a população, coisa que não houve.
A médica Maria Maeno destacou também a necessidade de aumento da capacidade do sistema de saúde. Para ela, é inegável a necessidade de se fortalecer o SUS, mas não só no tocante aos hospitais e unidades de terapia intensiva, como a grande mídia destaca, mas também a vigilância em saúde, as especialidades, os consultórios de rua, a reabilitação e a atenção domiciliar, pois é “esse conjunto do SUS que pode fornecer dados para orientar decisões das autoridades para prevenção, diagnóstico precoce de forma a impedir a circulação de infectados e contatantes, tratamento correto para recuperação dos doentes leves, moderados e graves, detecção de sequelas e reabilitação”.
Embora o que sensibiliza as autoridades políticas seja o colapso do sistema de saúde e funerário, a médica enfatiza que os sanitaristas têm alertado para a necessidade de ações de orientação, vigilância e assistência em todos os níveis, que diminuiriam não só os casos graves e óbitos, mas, principalmente a transmissão do vírus, evitando novos casos. “Tudo isso sem vacina.”
Sobre as escolas e os profissionais de educação
Ponderando que este é um ponto sempre polêmico, a palestrante lembrou que o ensino remoto obrigou todos os professores a se reinventarem, em meio às mais diferentes dificuldades, entre elas a necessidade de um bom computador, o pagamento de uma boa Internet, um local para ficar em casa, disputando com outros membros da família. “Foi preciso se acostumar com o contato remoto, com as janelinhas dos alunos fechadas, os novos modos de ensinar e de aprender”, comentou.
Maeno lamentou que a maioria das escolas públicas e muitas privadas não aproveitaram a interrupção de quase um ano das aulas presenciais para, com a participação dos pais dos alunos, melhorar a ventilação das salas de aulas e planejar as adaptações organizacionais para o retorno às aulas presenciais com segurança. “É a comunidade escolar no seu conjunto que conhece as interações nas relações, conhecimento fundamental para se pensar em fluxos protetores, com ou sem vacina”, justificou.
Ela considera que a vacinação dos profissionais de educação é de fundamental importância para que seja possível o retorno às atividades presenciais, mas, mesmo assim, de forma cuidadosa. “A vacina tem o objetivo principal de evitar mortes e casos graves”, diz, “mas a transmissibilidade só será controlada com a manutenção de medidas de distanciamento físico, uso de máscaras e higienização das mãos”.
Com a pandemia em descontrole, a médica concorda com os que defendem o lockdown, lembrando que ele precisa vir acompanhado de:
- Auxílio-emergencial em valor pelo menos de 600 reais para sobrevivência dos mais vulneráveis;
- Meios de transporte coletivo dimensionados para não aglomerar e ao mesmo tempo proteger condutores, cobradores, fiscais;
- Ação de informação sobre os riscos aumentados em locais fechados e mal ventilados e quanto ao benefício do uso de máscaras em locais públicos e sobre o seu uso correto;
- Medidas efetivas de manutenção do emprego e salários, para que não haja aumento da população informal e desempregada;
- Trabalho remoto sempre que possível e necessário até o controle da situação.
Convite para pesquisa
A médica e pesquisadora Maria Maeno integra um projeto de pesquisa intitulado “Dossiê Covid no Trabalho”, que envolve organizações científicas e a parceria de vários sindicatos. O objetivo é levantar informações sobre trabalhadores que estão atuando presencialmente durante a pandemia. “Nossa hipótese é a de que as atividades presenciais e o trajeto expuseram e expõem os trabalhadores ao vírus”, explica.
O Sinteps convida os trabalhadores do Centro que tenham trabalhado presencialmente – ou que ainda estejam – a contribuírem na pesquisa. Para participar, entre em
https://www.congressointernacionaldotrabalho.com/question%C3%A1rio